Como um vírus infectou a equipe pela qual eu era responsável — e o que aprendi com isso.

Mesa Company
9 min readJun 26, 2020

Quando dei as boas-vindas numa segunda-feira para uma equipe de 20 profissionais talentosos, eu não desconfiava que quase todo mundo estaria infectado com o Covid-19 na sexta. Inclusive eu. E aqui compartilho o que isso me ensinou sobre trabalho numa nova era.

Por Denise Panisset

Esta história começa numa outra era. Foi em 9 de março de 2020, dois dias antes da Covid-19 ser declarada uma pandemia pela OMS e medidas de isolamento começarem a ser implementadas no mundo todo. Eu estava no Brooklyn, em Nova York, em pé diante da cabeceira de uma mesa longa, cercada por um time impressionante de executivos, criadores e especialistas em várias áreas. Ninguém usava máscara. Sentado ao meu lado, estava o CEO da empresa que havia contratado o grupo todo para solucionar um problema.

Como Líder de Experiência na Mesa, meu trabalho é apoiar times como esse, para que eles possam render o máximo possível. Como sempre acontece, a manhã começou com um discurso dos dois líderes de experiência, ambos dividindo a responsabilidade de alinhar as expectativas e explicar o que aconteceria entre aquele momento e a noite de sexta.

Eu disse a eles que nossa empresa se chama Mesa porque esse objeto era para nós a tecnologia mais decisiva nas nossas experiências de trabalho: uma plataforma ao redor da qual gente brilhante pode se conectar. “Esperamos compromisso total de vocês”, eu disse, com um sorriso calculado para disfarçar o absurdo do pedido. “Precisamos que vocês estejam 100% presentes ao longo de cinco dias. Eu sei que não é uma tarefa fácil. Estou aqui para ajudar.”

Então apontei para duas dúzias de saquinhos de tecido presos à parede, debaixo de um cartaz que dizia “leave me alone”. Cada saquinho estava marcado com o nome de um dos participantes. Todos teriam que deixar seus telefones celulares pendurados ali, para que ficassem conectados apenas com o problema a ser resolvido.

Antes do fim da minha fala, incluí uma linha que normalmente não faz parte do script: “uma última coisa: coronavírus. Queremos ter um ambiente saudável e livre de vírus. Por isso, todo mundo recebeu um álcool-gel individual. Vamos lembrar vocês constantemente de lavar as mãos e se proteger. Boa semana para todos nós.”

Na Mesa, acreditamos muito em presença. Por isso nos acostumamos a trazer gente de longe para estar conosco. Estar junto sempre foi muito importante para nós. Naquela manhã no Brooklyn, por exemplo, tínhamos voado profissionais e tomadores de decisão de outros países, e de cinco cidades dos EUA.

Meu trabalho na Mesa era basicamente criar as condições certas para que todo mundo pudesse estar realmente presente e atingir um estado de alta performance. Depois de fazer isso centenas de vezes, a equipe da Mesa criou um método. Aprendemos todos os gatilhos que ajudam a formar conexões, a conectar as pessoas com o trabalho, a ajudá-las a combater a frustração ou a lidar com a exaustão. Ficamos bons em eliminar preocupações desnecessárias para ajudar as pessoas a chegarem ao seu melhor. Assim, eu sabia, que naquela semana, isso significava fazer com que a sensação de insegurança em relação ao Covid-19 desaparecesse.

Pesquisei todas as informações junto ao o CDC, o Centro de Controle de Doenças do Governo Americano. Eles não estavam recomendando nenhum encontro com mais do que 100 pessoas. Com um quarto disso, parecia que estávamos seguros. Me lembro de assistir ao especial sobre Coronavírus no programa Town Hall da CNN, no sábado à noite, e da mensagem geral era: a gente precisa ser cuidadoso, mas não precisa exagerar.

“A gente precisa ser cuidadoso, mas não precisa exagerar” era o sentimento geral em Nova York cinco dias antes da pandemia ser decretada.

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A mudança mais relevante que fizemos no nosso protocolo foi prometer a todos que seriam recebidos com um pote individual de álcool gel. Aí quase não cumprimos essa promessa, porque simplesmente não conseguíamos encontrar álcool-gel em Nova York. Numa farmácia, o balconista riu de mim quando fiz o pedido. Foi preciso que embarcássemos numa exploração dos diversos bairros da cidade, até minha colega encontrar numa lojinha do Queens o suficiente do precioso gel.

E usamos muito álcool naquela semana. Sempre que alguém se mexia a gente vinha atrás limpando. Na quarta-feira, um dia tradicionalmente difícil na Mesa — quando as decisões difíceis têm que ser tomadas — a OMS declarou que já estávamos diante de uma pandemia, dado o caráter global da epidemia.

Na quinta, um dos participantes estava discutindo o projeto com um designer numa mesa de canto. Era março em Nova York, portanto fazia um friozinho lá fora, mas nosso ambiente estava agradável. Por isso, quando esse participante começou a se cobrir com seu cachecol, o designer subitamente percebeu que havia algo errado e, pulando da cadeira perguntou: “Você está com febre?”.

Estava. E também com dor de garganta. Aquele participante havia sido cuidadoso desde o início, limpando tudo que tocava. Fizemos com que a pessoa fosse embora imediatamente, algo que nunca acontece na Mesa antes da sexta-feira.

No dia seguinte, parte do grupo começou a se preocupar com seus planos de viagem, em resposta aos rumores de que restrições a voos seriam impostas em breve.

De concreto, o que tínhamos até então era um participante com sintomas bem comuns de gripe. Ainda assim, decidimos antecipar o final da semana de trabalho para o começo da tarde de sexta. Missão cumprida.

Uma coisa ótima sobre a forma intensa como trabalhamos é que acaba. Depois da sexta, a missão está sempre cumprida, o protótipo está construído, o trabalho está terminado, não há mais com o que se preocupar. Quando voei de volta para Los Angeles, onde moro, encontrei aeroportos cheios e quase ninguém de máscara no avião.

Em casa, cumprimentei meu marido sem beijá-lo, por precaução. Passamos o domingo juntos e segunda era minha folga, como é tradição na Mesa. Naquela tarde senti algo estranho: uma queimação na altura do peito. Veio a preocupação, mas eu me convenci de que não era nada, podia ser uma azia, será que foi porque exagerei na água com gás?

Durante a Mesa, criamos um grupo de WhatsApp, para que pudéssemos continuar em contato. Na manhã de terça, quando acordei, chequei o WhatsApp e de repente a pandemia tornou-se muito real na minha vida. Um outro participante — não aquele que havia saído mais cedo — tinha testado positivo na sua cidade. “Estou em isolamento desde sábado e recomendo a vocês que façam o mesmo e sejam testados.” O primeiro participante que apresentou sintomas ainda estava doente, mas não tinha conseguido um exame. Imediatamente, tudo ficou muito claro: o evento pelo qual eu fui responsável tinha sido um foco da doença. E eu provavelmente estava doente também.

A essa altura, todo mundo estava ansioso. Eu me dei conta que, dessa vez, minha responsabilidade como Líder de Experiência não havia terminado quando cumprimos a missão, na sexta. Eu teria que ser uma central de informações para aquele grupo, para garantir que ninguém se sentisse abandonado. Eu não conseguia afastar o sentimento de que era minha responsabilidade garantir que todo mundo ficasse saudável. Mas minhas mãos estavam atadas: todo médico com quem eu conversava me dizia que a única instrução era para que as pessoas ficassem em casa, longe dos hospitais, a não ser que tivessem dificuldade de respirar.

Escrevi para todas as pessoas do grupo. Três estavam com febre, outras dez tinham sintomas mais leves, incluindo tosse, dor de garganta e dores no corpo. Dez não estavam sentindo nada de errado. Eu não conseguia acreditar que tudo isso estava acontecendo antes sequer que eu soubesse do problema.

Criei uma planilha com uma linha para cada uma das 25 pessoas que estiveram lá conosco (os vinte participantes mais os responsáveis pela comida, limpeza e fotos). Aí comecei a colorir as células: azul para quem não tivesse sintoma nenhum, amarelo para sintomas leves, laranja sintomas piores, vermelho para quem estivesse mesmo infectado. Nos dias que se seguiram o documento foi lentamente ganhando cores mais quentes. Na sexta, recebemos nosso segundo positivo — àquela altura só oito linhas da planilha permaneciam azuis. Minha co-líder estava doente também, e naquele dia me avisou que não conseguiria mais me ajudar na linha de frente, mas eu tive sorte de não apresentar sintomas graves, então escolhi continuar com o monitoramento.

Toda manhã, eu escrevia para cada pessoa perguntando como elas estavam se sentindo. E, antes do final do dia, enviava um relatório baseado nos sintomas para o grupo todo. Eu comecei os contatos achando que eles seriam formais, eu queria que as pessoas compartilhassem o que sabiam, para tentar deixar o grupo todo mais seguro. Mas lentamente fui sentindo essas conversas ficarem mais pessoais.

Eu era uma pessoa doente e assustada compartilhando informações com outras pessoas doentes e assustadas.

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Além disso, eu ficava conversando com médicos e consultando o CDC para entender melhor como eu deveria proceder. Logo, percebemos que transparência era fundamental — as pessoas precisavam saber que havia gente atenta, num momento de tanta ansiedade, e a informação tinha que fluir rápido para não dar a sensação de que estávamos escondendo algo. Ao mesmo tempo, fomos entendendo a importância de proteger a privacidade de todos. Com o estigma do vírus, não cabia a nós decidir o que contar às pessoas sobre casos individuais. Nossos relatórios não identificavam os doentes (e este texto também não).

Meus sintomas não ficaram mais graves, mas eu sentia mais a presença do vírus. Meu corpo doía e eu perdi o paladar, mas minha mente ainda funcionava e eu queria estar perto daquelas pessoas (por mais longe que estivesse). Em alguns momentos eu parava para descansar e me recuperar, mas, durante a maior parte do tempo, eu pude seguir monitorando o grupo — e isso me ajudou a lidar com minha própria ansiedade diante da situação.

Dois dos participantes tiveram momentos muito difíceis. Um deles, jovem, teve uma febre que não baixou dos 40 graus por quatro dias. Outro, que estava bem dentro do grupo de risco, teve dificuldades para respirar por dias e enfrentou um sábado especialmente complicado no dia 21 de março, uma semana depois de nossa partida de Nova York. O time da Mesa estava atormentado pela possibilidade de alguém morrer por causa de uma experiência que nós promovemos.

Mas eles se recuperaram. Todo mundo ficou bem. Na semana seguinte, comecei a pintar células da planilha de verde, indicando que os casos estavam fechados. No dia 10 de abril, troquei as últimas mensagens com a última pessoa a se livrar dos sintomas: ela se sentia curada. Acredito que vinte pessoas foram infectadas, apesar de que apenas sete têm os resultados positivos para provar (a maioria não foi testada). Felizmente, ninguém precisou ser internado.

Eu não sou mais uma Líder de Experiência, pelo menos não por enquanto. Nos reinventamos e não temos mais essa função na Mesa. No dia em que entendemos que havíamos sido o foco de uma contaminação perigosa, ficou claro que não voltaríamos a trabalhar como antes por muito tempo.

Transformamos nossas experiências em digitais e começamos a trabalhar para que elas tivessem os mesmos níveis de presença, compromisso e resultado dos encontros pessoais. Neste novo sistema, o Líder de Experiência foi substituído por duas pessoas: o Líder de Inteligência Coletiva e o Líder de Presença. O Líder de Inteligência Coletiva é responsável por garantir que a informação flua naturalmente, como quando estamos juntos. Já o Líder de Presença garante que todo mundo esteja verdadeiramente conectado, apesar da distância.

O Líder de Presença participa do processo, não apenas ouvindo tudo, mas também olhando muito para os olhos de cada participante. Quando o olhar denuncia que a pessoa está tendo dificuldades para manter a atenção, mando uma mensagem privada, com um emoji feliz e um pedido para que guarde o celular. Eles sabem que esse é meu trabalho, então me agradecem. Quem não está precisando de alguma ajuda para manter a atenção nestes tempos de hoje?

Nossa rotina mudou muito, evidentemente. Mas a melhor parte do trabalho — a realização que vem quando resolvemos problemas complexos — continua idêntica. Na verdade, alguns aspectos inclusive melhoraram. Por necessidade, desenvolvemos uma plataforma segura que transcreve tudo o que é dito num banco de dados onde é possível fazer buscas. Poder acessar uma ideia específica expressa em algum momento ao longo de cinco dias de trabalho é um sonho antigo, que jamais teria sido realizado se não tivéssemos sido forçados a mudar a forma como trabalhamos.

Alguns de nossos clientes começam a achar que é hora de voltarmos a trabalhar presencialmente. Nossa resposta tem sido “não”. O risco de juntar gente enquanto não houver um tratamento decente para a doença existe e, se existe, é grande demais. Não queremos estar na posição de acabar causando a morte de alguém, nem mesmo de deixar que alguém adoeça.

Solucionar problemas é nossa paixão, e não precisamos negociar com a vida para fazer isso.

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É possível alcançar presença profunda e excelência, mesmo com a distância física. Claro que temos muito o que aprender sobre esse novo jeito de trabalhar. Sinto que esse aprendizado foi crucial para mim e para a Mesa, mas pode ser para todo mundo, no mundo inteiro. Talvez tão crucial quanto qualquer outra coisa, inclusive a busca de uma vacina.

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